02/03/2008

01 Março III

antes
Inês Lourenço



No princípio não era o verbo mas o antes. Ditoso não-lugar onde nenhum mantimento era necessário. Mesmo isso a que cha­mam palavras, essas cadeias servis de contágio e contagem, não tinham qualquer serventia.

Era muito antes da cisão da luz e da treva e da fábula fatal de qualquer existência. Muito antes da invenção maligna de Cronos ou de outro qualquer princípio divino. Muito antes do negro e do branco, do bem e do mal, do gozo e da dor, do ganho e da perda, da fauna e da flora, da terra e da água, do macho e da fêmea.

Desnecessários eram e inúteis: searas e ceifeiros, rebanhos e pastores, senhores e servos, possuidores e coisas possuídas.

Antes, muito antes do amor, do sangue e da sede, antes da viagem, antes da subida, antes do declive.


Desde muito cedo antes da morte.



(“a minha palavra favorita”, centroatlantico.pt)

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