03/02/2008

02 de Janeiro II

42Eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à união fraterna, à fracção do pão e às orações. 43Perante os inumeráveis prodígios e milagres realizados pelos Apóstolos, o temor dominava todos os espíritos. 44Todos os crentes viviam unidos e possuíam tudo em comum. 45Vendiam terras e outros bens e distribuíam o dinheiro por todos, de acordo com as necessidades de cada um.
46Como se tivessem uma só alma, frequentavam diariamente o templo, partiam o pão em suas casas e tomavam o alimento com alegria e simplicidade de coração. 47Louvavam a Deus e tinham a simpatia de todo o povo. E o Senhor aumentava, todos os dias, o número dos que tinham entrado no caminho da salvação.

(Actos dos Apóstolos, 2, 42-47)

02 de Janeiro

eucaristia
Filipe d'Avillez

Haverá maior poesia do que Deus feito carne e osso, sangue e Humanidade? Haverá maior tragédia do que Deus altíssimo pen­durado numa cruz, esvaindo o Seu precioso sangue sob a fronte dos que o humilham? Maior heroicidade do que uma mãe aos pés do seu filho único moribundo, torturado, espancado, trespassado, entregue aos lobos? Maior romance do que a história do homem que amou de tal forma o mundo que Se entregou não só pelos Seus amigos, mas para que até os que o maltratavam pudessem viver? Maior suspense do que uma história em que o protagonista e morto ressuscita e parte para os céus com a promessa de voltar um dia, naquele dia e naquela hora que apenas o Pai conhece? Mais arrepiante thriller do que a narração do fim dos tempos, dos cavaleiros do apocalipse, da grande tribulação?
O Evangelho de Jesus Cristo, a boa nova do cordeiro, o livro que mudou irremediavelmente o mundo, a obra que inspirou os mais brilhantes artistas, poetas, escritores, pensadores... o eterno best-seller, a eterna vítima dos mais terríficos abusos, plágios, per­seguições e censura.


O livro dos livros,
a palavra do Senhor,
a voz dos profetas,
do cordeiro e do pastor.

Espantará muitos, contudo, saber que esta enorme epopeia não termina, ao contrário do que possa parecer, com o livro da Revelação, vulgo Apocalipse. Todos os dias, a toda a hora, a cada minuto, algures no mundo, a sequela da História do Povo de Deus está a ser proclamada e vivida. E o mais fantástico (aqui é que se revela a mente brilhante do autor) é que a continuação é ainda melhor do que o começo.
Que outro acontecimento consegue concentrar num gesto, em menos de 60 minutos, em escassas palavras, toda a multidão de sensações, revelações, consolo, desconcerto e promessas que se encontram contidas nos 66 livros que compõem a odisseia bíblica, escritos ao longo de 1500 anos, por mais de 40 autores, das mais diversas áreas profissionais e condições sociais?
Que outro acontecimento transmite o encanto poético de ver diante dos nossos olhos um pedaço de pão, mero fruto do trabalho do Homem, a transformar-se em divindade? Um cálice de vinho, independentemente da sua qualidade, a assumir, de forma inex­plicável, o estatuto de Sangue Vivificador, Sangue Divino, Sangue Sacrificial do próprio Cristo?
Em que livro de fantasia encontramos tantos eventos inexplicá­veis e emocionantes quanto os milagres realizados todos os dias, várias vezes ao dia, por meros sacerdotes, humildes e pecadores humanos?
Que novela permite ao leitor reviver, com a mesma intensidade e dureza, o sentimento de ver o seu herói oferecer-se em holocausto, todos os dias, sem perder por um instante nem a nobreza nem a originalidade do acto?
Que história de amor nos permite conhecer em carne e osso o protagonista por quem nos apaixonámos irremediavelmente, unirmo-nos a Ele de forma tão íntima, em tão forte e estreita comunhão?
Qual é o thriller ou policial que nos deixa em suspenso em tão grande ansiedade que nos ocorre que poderemos dele morrer antes de chegada a tão esperada hora em que a história se conclui?
Que romance de cordel nos deixa lavados em lágrimas, sufo­cados pela emoção de um final tão esperado como conhecido até, mas que a cada dia nos surpreende pela sua inconcebível enormi­dade?
Que narração épica nos deixa tão fortes, tão confiantes, tão cheios de coragem e certeza de invencibilidade?

Benditos os que vivem para a Eucaristia; os que vivem da Euca­ristia; os que permitem que seja a Eucaristia a viver neles!
Benditos pois são esses que vivem a maior aventura de todas. Só eles conhecem a sensação de habitar dentro do melhor livro alguma vez escrito e lido, só eles podem dizer com confiança ina­balável que já nada, mesmo nada os surpreende, pois todos os dias podem comungar do Corpo e do Sangue do Filho de Deus. E só eles podem afirmar, sem qualquer contradição, que tudo os sur­preende, pois quando se permite que seja Cristo a viver em nos, tudo assume novos contornos e significados, nada é como era.
Mas que palavra é esta afinal? Que significa? Que contém este aglomerado de letras, este estrangeirismo tão português? Eucaristia.

Eucaristia significa Encarnação. Cristo feito Homem. É o acto central do Santo Sacrifício da Missa, no qual o Padre consagra o pão (fruto do trabalho do Homem) e o vinho (fruto da vinha e do traba­lho do Homem) permitindo que estes se transformem, pela acção do Espírito Santo, em Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Eucaristia significa Comunhão. É o acto através do qual toda a comunidade de Deus, todo o Seu rebanho, o Seu povo, a Sua Israel, se mostra em unidade à volta do seu Filho Redentor.

Eucaristia significa Paz. Não nos sentamos à mesa com os nos­sos inimigos. Para receber e participar dignamente na Ceia do Senhor devemos, necessariamente, estar em paz com os nossos irmãos, com o altíssimo e com nós mesmos.

Eucaristia significa Perdão. No sentido mais profundo e no sen­tido mais superficial. O perdão de Deus que o sacrifício de Cristo nos valeu, e o perdão pelos pecados de que somos vítimas, que, seguindo o Seu exemplo, distribuímos aos que nos ofendem.

Eucaristia significa AmorO reconhecimento do imenso e des­medido amor de Deus pelo Seu povo, todo o Seu povo. O com­bustível que nos permite manter e reflectir esse amor de Deus aos nossos semelhantes.

Eucaristia significa Esperança. Enquanto eu puder, amanhã, pela mesma hora, no mesmo local, encontrar-me e unir-me tão inti­mamente a Deus, que hei-de temer? Porque hei-de desesperar?

Eucaristia significa Exaltação. Não a exaltação de Deus, como se Ele precisasse... a exaltação do Homem, pois, embora possa pare­cer que Deus se tenha humilhado ao assumir a natureza humana, gesto eterno e repetido diariamente através do acto eucarístico, tal não seria possível. Se Deus se fez Homem foi para exaltar este e não para Se rebaixar. Através da primeira Eucaristia, a Encar­nação do Verbo, a condição humana foi resgatada da podridão, da morte e do desespero. Esse facto é relembrado cada vez que os nossos sacerdotes cumprem a Sua recomendação. «Fazei isto em memória de mim» sim... mas também em nossa memória, em memória do facto de sermos filhos muito amados de um Deus misericordioso, que nos acolhe a cada momento e nos consola.

Eucaristia significa tudo isto e muito, muito mais. Eucaristia, o supremo poema, a suprema obra literária, afinal pode resumir-se ao seu sentido etimológico: Acção de Graças, em grego clássico. Acção de Graças... Obrigado!
De que outra forma se pode sentir quem participa neste misté­rio, aberto e disponível para todos? Que outra palavra poderia ter escolhido alguém que conhece e vive uma intensa relação de amor com o maior dom que Deus alguma vez concedeu ao Homem. O Seu Filho, unigénito, o fruto do Seu amor pela Humanidade?
Obrigado Senhor, Eucaristia! Obrigado pela Tua Eucaristia!


(“a minha palavra favorita”, centroatlantico.pt)